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Atlanta: Afro Surrealismo ou Twin Peaks para rappers (review da terceira temporada)

 

 

Atlanta é uma série de streaming criada pelo multiartista DonaldGlover que conta a saga de um jovem rapper – e depois empresário – que volta à sua cidade natal para reencontrar a ex e se aproximar de sua filha recém-nascida, e acaba encontrando no talento do primo MC uma oportunidade de se melhorar sua vida através do rap, um sonho comum ao redor de toda a diáspora africana. A série, após um longo hiato, voltou a ser exibida no Brasil pela Netflix, é um sucesso de público e crítica e angariou uma legião de fãs pelo mundo.

 

Eu mal me lembro da segunda temporada de Atlanta. Será que realmente assisti?

 

Não importa, ninguém liga se um homem negro de meia idade assistiu uma série sobre uma trupe de um rapper afro-americano auto-intitulado PaperBoi (vivido por Brian Tyree Henry), composta por seu empresário Earn (Glover, também roteirista), o profundo e confuso Darius (Lakeith Sutherland talvez seja o maior dessa geração) e a complexa Van, vivida sublimemente por Zazie Beets, no que talvez seja o maior desenvolvimento de personagem da série.

 

A terceira temporada começa e só vemos um personagem reconhecido nos últimos minutos do ep.  Eu achava que essa série era sobre jovens tentando vencer no mundo  do rap enquanto lidavam com questões como saúde mental e racismo. Será que eu vejo questões como racismo e saúde mental em tudo? 

O flow dessa temporada é tangencial – temas diversos são abordados e não necessariamente movem a storyline original da série – e a ambientação na Europa traz ainda mais a tona o sentimento de estranheza tão peculiar do universo de Glover, enquanto a belíssima e estilosa fotografia garantem a imersão. Pensa num longo vídeo clipe onde clássicos cenários do velho mundo se misturam a figurinos streetwear high fashion e diálogos naturalistas, chapados e bizarros vindos de personagens tão multifacetados fazem você afundar dentro do seu sofá até a brasa do seu “cigarro” apagar e você nem perceber.

 

Foi nessa hora que eu me percebi e pensei: o que está acontecendo aqui ?

 

Ávido por algum sentido para o que havia presenciado, catei alguns reviews dessa temporada e entre outras coisas me deparei com um termo delicioso: AFRO SURREALISMO.

Sim crianças, nós temos. Nós podemos !

 

Afro-surrealismo-expressionismo é um termo concebido por Amiri Baraka para descrever o trabalho de Henry Dumas em seu livro Ark Of Bones and Other Stories (1974). Baraka afirma que Dumas é habilidoso “em criar um mundo totalmente diferente organicamente conectado a este. As histórias são fábulas… ressoando emoções e imagens oníricas, mudando o terror ambíguo… revelação implícita. Mas também são histórias da vida real.” Atlanta emprega métodos surrealistas semelhantes para explorar a cultura negra e a psique enquanto fundamenta as narrativas com eventos reais da vida real.

 

Donald Glover, eu te amo pretão. Tu é sinistro meu querido!

Ok mistério elucidado. Não era pra entender mesmo. Mas essa minha pesquisa na madruga me trouxe outra informação interessante. Esse estilo narrativo não agradou em cheio a crítica de seu país natal, ao contrário das anteriores e ao que parece da vindoura quarta e final temporada, que já se encerrou no hemisfério norte.

Ao abraçar essa estética onírica, Donald e seus parceiros de crime tentaram alcançar um lugar mais autoral, muitas vezes relegado apenas a artistas como Tarantino, Wes Anderson e companhia, enquanto criadores não brancos devem APENAS entreter. Que plot twist hein galera? O papo não é sobre grana e audiência, e sim sobre a nada simples liberdade de um criativo negro e seus amigos, no auge de suas carreiras se expressarem como quiserem.

Bate a cinza.

Espero que você não considere isso um spoiler e muito menos um manual de instruções para embarcar nessa viagem, como num sonho cada um vai ter sua interpretação desses devaneios, e essa é a graça disso tudo. Se você após terminar essa temporada, precisar de alguém pra conversar, estamos aqui. 

 

*tela fica escura por 5 segundos*

 

Trilha sonora hip hop começa a tocar 

 

ATLANTA – EPISÓDIO 3x** “Afro Surrealismo”

 

Cena 1

Um homem negro de meia idade está sentado em seu sofá, olhando para a tela da TV. Ele coça a cabeça e olha em volta, confuso.

 

Homem: Eu mal me lembro da segunda temporada de Atlanta. Eu realmente assisti?

 

Cena 2

A tela corta para uma cena em uma festa, onde PaperBoi está conversando com um grupo de amigos. Earn, seu empresário, está ao lado dele.

 

PaperBoi: Então, como estão as coisas?

 

Amigo: Ah, você sabe, só tentando sobreviver neste mundo cruel.

 

Cena 3

Earn anda pelo centro da cidade, conversando com Darius sobre a vida.

 

Earn: Eu achava que essa série era sobre jovens tentando vencer no mundo do rap enquanto lidavam com questões como saúde mental e racismo. Será que eu vejo questões como racismo e saúde mental em tudo?

 

Darius: Talvez seja porque você está prestando atenção.

 

Cena 4

Earn está em um avião, voando para a Europa. Ele olha pela janela e vê as nuvens passando.

 

Cena 5

Earn caminha pelas ruas da Europa, olhando para as pessoas e a arquitetura. Ele para em uma loja de roupas e olha para as roupas.

 

Cena 6

Earn está sentado em um restaurante, conversando com um estranho.

 

Estranho: Você sabe o que é afro surrealismo?

 

Earn: Não faço ideia.

 

Cena 7

Earn está em um bar, bebendo e dançando. Ele olha ao redor, confuso e desorientado.

 

Cena 8

Earn acorda em um quarto de hotel, olhando para o teto. Ele se levanta e olha pela janela, vendo a cidade lá embaixo.

 

Cena 9

Earn caminha pelas ruas da cidade, olhando para as pessoas e os prédios. Ele entra em uma galeria de arte e olha para as pinturas.

 

Cena 10

Earn está sentado em um café, bebendo café e conversando com um artista.

 

Artista: Atlanta é um lugar muito surreal. Há muita coisa acontecendo lá que as pessoas não percebem.

 

Earn: O que você quer dizer?

 

Artista: Quero dizer que há uma realidade subjacente em Atlanta que é tão estranha e surreal que as pessoas não conseguem ver.

 

Cena 11

Earn caminha pelas ruas de Atlanta, olhando para as pessoas e os prédios. Ele para em uma esquina e olha para o céu.

 

Cena 12

Earn está de volta em seu apartamento, olhando para a tela da TV. Ele sorri e apaga o cigarro.

 

Earn (para si mesmo): Donald Glover, eu te amo, pretão. Tu é sinistro meu querido!

 

Tela fica escura por 5 segundos. FIM.

 

 

Texto originalmente publicado na página Fresh People.

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